domingo, 20 de setembro de 2009

Mulheres e Naturismo

Transcrevo abaixo um interessante texto de Florência Brenner, naturista argentina, e engajada na luta pela difusão da filosofia de vida do naturismo.
A propósito do texto dela, lembrei-me também que recentemente respondi a uma pesquisa de uma psicóloga, justamente acerca da reduzida quantidade de mulheres praticando o naturismo. Uma das questões levantadas era o porquê disso... Mas são tantos os porquês... Curiosamente, o naturismo brasileiro começou com uma grande mulher, Dora Vivácqua, Luz Del Fuego... Como nos diz Rita Lee, "Luz del Fuego morreu cedo porque não tinha medo". Talvez... Ou talvez morreu cedo, porque não havia nascido para envelhecer, mas para ser assim, trágica, contestadora e breve.
Seja como for, o naturismo, que começou com Luz, reapareceu décadas depois, com as mulheres como companheiras, aquela que vai junto, muitas vezes, aquela que vai porque o marido vai. Mas ainda existem sim mulheres que lutam pelo naturismo, que, mesmo sozinhas, levantam alto essa bandeira, como Malu (que, como Luz, também é capixaba, por sinal!), como minha querida madrinha Candinha, lá na Colina, e outras poucas e boas... E, é claro, como Florência, autora do texto que segue:

A PÁGINA DA MULHER NUDISTA/NATURISTA*

Por Florencia Brenner(1)
Tradução para português de Jorge Bandeira(2)

    Pediram para que eu desse início a esta página intitulada “A Página da Mulher Nudista/Naturista”, ou da mulher que quer ser nudista ou mesmo a de que nunca quis ser naturista.
    Nós mulheres temos nossa própria história cultural, uma forma de educação toda particular, diferente da maioria dos homens e que fazem a diferença na hora de tirar a roupa e de vencer o presente pudor que nos persegue ao longo de várias gerações.
    Na pré-história a mulher não usava nenhuma roupa, e tampouco tinha o poder de decisão, carecia de auto-estima, era na verdade relegada ao papel de segundo plano, dentre as posições e status possíveis em nossa sociedade.
    O homem era o caçador, o que sustentava sua moradia, porém as mulheres é que executavam os trabalhos mais pesados. Sem dúvida, vivia-se uma grande contradição, onde a “Mãe Terra”, conhecida como “A Vênus de Lespure” (uma de suas múltiplas versões) era representada como uma mulher obesa, de grandes seios e sem rosto, que tinha a missão de cuidar de seus filhos, os seres humanos, e dar-lhes todo o necessário para a sua subsistência e garantir a procriação da espécie humana. Existe por um acaso papel mais relevante na Terra?
    Surge aqui a primeira grande contradição. Somos importantes em nossa tarefa criativa, temos a capacidade de procriar, de dar sustento aos filhos, de educá-los, e sem sombra de dúvidas historicamente sempre ocupamos um segundo plano na hora das homenagens e dos prêmios, por este motivo muitas das vezes nossa auto-estima está tão em baixa.
    Porém, não vamos divagar, vamos direto ao tema proposto para esta comunicação: desde que nasce a mulher tradicional é discriminada com uma cor, a rosa, uma cor que está associada à delicadeza, debilidade, uma cor na verdade indefinida que não tem a mesma força vibrante do vermelho. Acaba sendo um símbolo cromático de que não devemos sair de nosso papel de “desprotegidas”.
    Logo, somos submetidas a todos os tipos de condicionamentos culturais: as bonecas, os vestidos, a cozinha, a costura, vestir as Barbies e outras bonecas, jamais chegamos a ser as caçadoras de leões, nem mesmo subimos nas árvores para tirar as frutas escondidas dos donos, nunca julgamos a guerra, a polícia ou os subversivos. O que temos conseguido neste jogo de representações é, no máximo, um papel de vítimas da sociedade.
    Então, a mulher entra na fase de adolescente e a primeira coisa que aprende é que a sedução é uma arma poderosa, um poderoso instrumento de poder para compensar a falta de músculos fortes e vigorosos.
    Continuamos, observe, no rol das “desprotegidas” e este poder de sedução vem junto com um detalhe importante: a roupa, aquilo que nos marca, nos dá a forma, aquilo que os homens imaginam em suas fantasias, em seus desejos, o que estaria por baixo de toda vestimenta, e que não lhes deixam ver livremente.
    Este é o caminho seguro para a valorização do disfarce que promete sem mostrar, que sugere e que acaba cobrindo nossa verdadeira personalidade feminina. É o caminho para o “não”, quando na verdade o que se quer dizer é “sim”, porém este disfarce nos obriga a seguir este jogo de ilusão.
    As roupas são desta forma o último obstáculo, a derradeira barreira para quem seja merecedor de todos os tesouros (a nudez da mulher como objeto do desejo!), inclusive o “tesouro” da virgindade, outro dos mitos que regulou a vida de muitas das mulheres por séculos. Um mito bastante promissor ao homem, por exemplo, que levava ao altar da igreja à sua mulher, mãe de seus filhos, e mantinha no prostíbulo a sua amante com devoção carnal.
    E qual era a mensagem social naquela época?(estamos nos referindo a 500 anos de educação têxtil!). Se você, mulher, vier a perder o seu poder de sedução não vai jamais encontrar um marido, ninguém mais vai lhe desejar, e você, como uma maldição, vai “ficar para a titia”.
    Agora temos uma questão para refletir, que é a questão de encontrar respostas para entender a nossa relutância em abraçar a causa do Naturismo, resultando esta relutância em um número bem maior de homens do que mulheres naturistas.
    Este pequeno texto procura refletir sobre as teorias possíveis que envolvem esta questão.
    Algumas mulheres dizem: eu não fico nua na frente dos outros porque tenho muita vergonha, muito pudor! E o que é o pudor? Este termo, este conceito de cobrir o corpo com roupas, ou uma parte deste corpo é um conceito que podemos, sim, considerar como eminentemente cultural, religioso, se comparamos a pluralidade de diferentes culturas. A mulher mulçumana, por dogmas religiosos extremados, tem o pudor de mostrar sua cabeça, seus cabelos, já uma mulher de tradição Ocidental tem o pudor, a vergonha, de mostrar sua genitália. Observemos que as duas aparentemente tão diferentes, cultural e religiosamente, possuem uma curiosa semelhança: o conceito do PUDOR é colocado para ambas estas mulheres desde suas mais tenras infâncias.
    O pudor, neste sentido, é uma criação do ser humano. Muitos dos índios e todos os bebês não possuem a noção deste pudor. Os Naturistas, nós entendemos que todas as partes do corpo são iguais, nem melhores nem piores, não existindo, desta forma, as chamadas “partes imorais” do corpo humano.
    Esta é a primeira das premissas, o primeiro entendimento que devemos ter como mulheres que pensam em adotar o Naturismo e os seus benefícios alguma vez em nossas vidas. O corpo é somente um, e o que pode diferenciar uma mulher da outra é a atitude com que se despe, com que fica nua frente aos outros. Se nós, mulheres, assumimos que a nossa nudez é para nosso próprio deleite, algo natural e não como objeto de exibição aos outros, este antigo pudor tende a desaparecer. Algumas mulheres afirmam: sim, eu ficaria nua na frente dos outros, mas agora não posso mais, com “este corpo”, essa idade, nem me animo a ficar nua. Eis aqui neste exemplo uma das mais utilizadas variações do pudor: o pudor estético, ou “o modelo do corpo perfeito”, que não passa de um conceito totalmente temporal e cultural, que se estabelece a partir de um ideal de estética inserido na época em que vivemos. São frutos de um modismo, colocado no mercado consumidor da moda, das grifes. Hoje em dia, por exemplo, as modelos que foram retratadas pelo mestre da pintura Rubens, no Renascimento, seriam consideradas gordas e inadequadas para modelos daquele período, e o contrário também é verdadeiro: as modelos das passarelas de moda do século XXI seriam consideradas inadequadas aos mestres do estilo de pintura flamengo do Renascimento, quiçá não fossem consideradas como doentes pelo grande pintor Rubens, referência das artes plásticas dos séculos XV/XVI.
    Uma outra informação da qual devemos nos conscientizar enquanto mulheres é a de que não existem corpos perfeitos, as nudistas celestiais não existem, e que se temos alguma estima por nós devemos aceitar o nosso corpo tal como ele é, como ele se apresenta a nós e aos outros, um corpo sadio, diferenciado e singular, belo, este nosso corpo não pode ser um mero produto de um modelo cultural imposto como uma moda, algo inquestionável.
    Algumas de vocês, mulheres, dirão que esta vivência e experiência no Naturismo só podem usufruir as mulheres com mais de 50 anos. Sem dúvida, temos educado e moldado a personalidade de nossos filhos e filhas, hoje na faixa dos 30, 40 anos, e temos feito refletir sobre as “correntes” que nos aprisionaram durante todos os anos, ou seja, falamos a eles de nossas limitações, impostas por uma sociedade cruel, moralista, machista e que escamoteou nossa liberdade, da infância à nossa fase adulta. Para muitas de nós, devemos reconhecer que esta mudança não será possível, pois requer um processo de maturidade e superação muito grande, que não se dará de uma hora para outra.
    Devemos ter em mente que as futuras gerações poderão crescer livres destes preconceitos impostos e que poderão elaborar suas próprias convicções, educando desta maneira os seus filhos, educação autêntica, resgatando o conceito de auto-estima que foi perdido ao longo da História.

(1)   Florencia Brenner, escritora argentina, ativista do movimento naturista daquele país. Edita o Jornal virtual NUDELOT.
(2)   Jorge Bandeira é Historiador, Naturista do Graúna, no Amazonas.
Contatos com o tradutor: vicaflag@hotmail.com
Manaus, 14 de setembro de 2009.

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