quarta-feira, 19 de maio de 2010

Não Veja nada que é melhor!!! - os desdobramentos de uma campanha difamatória absurda por uma pseudo-revista

No dia 05/05/2010 a 'Revista' Veja, cuja qualidade é equivalente a um produto de 1,99 (sem querer ofender os amantes dos produtos de 1,99...), se esmerou na publicação de uma matéria racista, preconceituosa e obviamente tendenciosa, acusando grupos indígenas e quilombolas de oportunistas com desejos de dominarem o Brasil e tirar a terra do povo trabalhador. Conjuntamente, a revista acusou antropólogos e técnicos responsáveis por laudos de estarem mancomunados nesse plano maquiavélico. Bem, a matéria em si, eu não colocarei aqui, pois não cabe dar publicidade a um reportagem que jamais deveria ter sido escrita. Fica o link para quem quiser ter o desprazer de conferir: clique aqui!
Fora o fato disso parecer um pouco um episódio de Pink e Cérebro, com seus planos para dominar o mundo, estamos diante de uma publicação absurdamente cheia de erros grotestos, que além de inventar e interpretar dados, também chegou a inventar declarações de antropólogos notáveis, como Eduardo Viveiros de Castro, tentando, com isso, dar mais respaldo às suas declarações. 
Muitas foram as reações a essa reportagem estapafúrdia, a começar pela reação da Assoc. Brasileira de Antropologia e do próprio Viveiros de Castro. Quem desejar ter maiores informações sobre o assunto, leiam os comentários do próprio EVC sobre o assunto, de Mércio Pereira, ex-presidente da FUNAI, também citado. Bem como algumas outras manifestações contrárias a esta matéria que merecia ganhar um prêmio por 'o melhor na categoria lixo':

Manifestações de EVC e as toscas contestações da Veja:

Mensagem de Mércio Pereira:

Nota da Associação Brasileira de Antropologia:

Fechando, um texto bastante ácido do blog "Na prática, a teoria é outra". Ácido, mas eu diria que necessário, dadas as circunstâncias.

Fora as reações da comunidade científica, cabe também citar o caso do Jornalista Felipe Milanez, editor da Revista Nacional Geographif, integrante do Grupo Abril, que simplesmente foi demitido por ter criticado a matéria da Veja no Twitter. 



O fato seria trágico, se não fosse previsível... Afinal de contas, o que esperar de um 'veículo de comunicação' que levianamente fabrica opiniões para vender suas idéias cheias de racismo, e claramente com a intenção de aumentar a hostilidade que já existe para com certos segmentos da sociedade para com as minorias?
É claro que nesta política de à lá 1984 da Veja, ninguém que faça parte do esquema pode falar contra 'o grande irmão'. Quem fala contra, precisa ser eliminado. Não por acaso, a revista surgiu nos tempos da Ditadura, e isso explica muita coisa, não é mesmo?

Mas para não me delongar além da conta com esse post, quero apenas transcrever um texto encaminhado por Orivaldo Nunes Jr, Coordenador Geral de Gestaão Ambiental da FUNAI-MS, que se propôs à contestar ponto a ponto os dados apresentados pela revista, a qual, além de inventar declarações, também manipulou dados para apresentar um quadro absolutamente inverídico. Em tempo, nem é preciso ler o artigo para perceber o problema da matéria, que diz '77,6% de todo o território nacional é ocupado por reservas indígenas, áreas de preservação ecológica e remanescentes de quilombos'. 
É tão óbvio a mentira desse dado que, diante dele, só caberia dizer como o falecido Bussunda: FALA SÉRIO!!!
Segue a mensagem encaminhada por Orivaldo, para se ter uma idéia mais profunda  da questão. (colei junto altumas das imagens citadas, para facilitar a leitura:

 
A revista Veja dessa semana publicou uma matéria intitulada “*A farra da antropologia oportunista*”. Aparentemente os jornalistas Leonardo Coutinho, Júlia de Medeiros e Igor Paulin desejavam denunciar o que seria uma espécie de “esquema” entre ONGs internacionais, antropólogos e o Governo Federal para extinguir a propriedade privada de imóveis rurais no Brasil através da demarcação de terras indígenas e terras de quilombo, além da criação de unidades de conservação.

Comento a matéria aqui sem entrar no mérito de outras questões mais profundas, abordando dois aspectos da reportagem que são absolutamente hediondos para os padrões de qualquer tipo de jornalismo.

A falácia

Os repórteres abrem a matéria com a seguinte afirmação:
*Áreas de preservação ecológica, reservas indígenas e supostos antigos quilombos abarcam, hoje, 77,6% da extensão do Brasil.*
Qualquer alma com dois dedos de bom senso questionaria essa afirmação. Uma vez que as terras indígenas correspondem a 13% da área do país, sobretudo na região amazônica. Coloco aqui dados do Instituto Socioambiental acerca dessa extensão:
O Brasil tem uma extensão territorial de 851.196.500 hectares, ou seja, 8.511.965 km2. As terras indígenas (TIs) somam 653 áreas, ocupando uma extensão total de 110.500.556 hectares ( 1.105.006 km2). *Assim, 13% das terras do país são reservados aos povos indígenas.(http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-indigenas/demarcacoes/localizacao-e-extensao-das-tis)
*A maior parte das TIs concentra-se na Amazônia Legal: são 409 áreas, 108.720.018 hectares, representando 21.67% do território amazônico e 98.61% da extensão de todas as TIs do país. O restante, 1.39%, espalha-se pelas regiões Nordeste, Sudeste, Sul e estado do Mato Grosso do Sul. (http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-indigenas/demarcacoes/localizacao-e-extensao-das-tis)
Digamos então, que o restante dessa porcentagem absurda levantada pelos jornalistas, agora 64,6%, estivesse relacionado às terras de quilombo ou às unidades de conservação. Ainda assim os números parecem não bater, já que segundo o “Atlas da Questão Agrária Brasileira”, organizado pela UNESP, as áreas das unidades de conservação federais e estaduais em 2007 totalizavam *99,7 milhões de hectares*, sendo *98 milhões referentes às unidades de conservação em ambientes terrestres.* Dessas unidades, 310 (41,5 milhões de ha) são de proteção integral e 286 (58,2 milhões de ha) de uso sustentável. Entre 1997 e 2007 foram criadas 251 unidades de conservação e acrescidos 51,35 milhões de hectares de unidades em ambientes terrestres. A distribuição territorial das unidades de conservação é desigual e a maior parte está no bioma amazônico, que concentra 74,2 milhões de hectares – 75,7% do total.(http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/configuracao_territorial.htm#ucs);
Lembrando “o Brasil tem uma extensão territorial de 851.196.500 hectares”, os 98 milhões de hectares, já que estamos excluindo as unidades de conservação oceânicas, corresponderiam a aproximadamente *11,71% *do território nacional. Boa parte dessas terras não é “improdutiva”, mas são as chamadas “áreas de uso sustentável” que seguem regras especiais para a exploração, como demonstra o mapa abaixo.
Então, temos 24,7 1% do Brasil dedicado a terras indígenas e unidades de conservação, correto? Não necessariamente. Se sobrepusermos os dois mapas, é possível perceber que há sobreposição de áreas de unidades de conservação e terras indígenas em vários pontos do país, o que diminuiria esse percentual. Mas, vamos supor que há 24% do território nacional, sobretudo na Amazônia Legal, dedicado a unidades de conservação e terras indígenas.
Para chegar então aos 53,6% restantes (77,6% – 24%) seria necessário que as terras de quilombo abarcassem estrondosos 459 milhões de hectares… o que não é verdade. Segundo a comissão Pró-Índio de São Paulo:
“Em setembro de 2008, os territórios quilombolas titulados somavam 1.171.213 hectares. Até essa data, o Pará continuava como o estado com a maior extensão titulada: 628.674,7 hectares, o que corresponde a cerca de 54% do total já regularizado”.(http://www.cpisp.org.br/terras/html/pesquisa_porque_placar.asp);
[Para os mais interessados, aqui há uma tabelahttp://www.cpisp.org.br/terras/ASP/terras_tabela.asp; onde estãoos nomes, localização, e área de todas as comunidades.]
Logo, temos 1.171.213 hectares em terras de quilombo tituladas, o que corresponde a, vejam só, 0,13% do território nacional. E as maiores terras também estão na área da Amazônia Legal – novamente desconsiderando sobreposições com unidades de conservação.
Com base nesses dados, a porcentagem de 77,6% alegada na reportagem da revista Veja não se sustenta sob qualquer argumento. Além disso, a matéria dá a entender que basta requerer a terra para se ter acesso a ela, ou mesmo que o governo em exercício estaria sendo uma espécie de facilitador do processo. Isso não se sustenta no caso das terras de quilombo (http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/01/25/brasil,i=168796/CONCESSAO+DA+POSSE+DE+TERRAS+QUILOMBOLAS+E+400+MENOR+NO+GOVERNO+LULA+EM+RELACAO+A+GESTAO+FHC.shtml) e nem das terras indígenas, uma vez que o governo em exercício demarcou e homologou *menos terras (em extensão e quantidade) *do que o governo anterior!
A matemática esotérica dessa reportagem parece estar baseada numa alegação da Senadora Kátia Abreu de que “90% do território brasileiro estaria congelado e inacessível ao ‘progresso’, como terras indígenas, quilombos, parques, cidades e infra-estrutura”.
lhttp://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2010/05/02/contra-os-fatos-288007.asp
http://cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br/arch2010-05-02_2010-05-08.html#2010_05-03_15_50_23-129493890-28>Ela
A referida Senadora disse ter encomendado uma pesquisa junto à Embrapa que provaria a veracidade dessa afirmação… espero que, diferente da Senadora, os
pesquisadores em questão saibam soma, subtração e porcentagem.



Orivaldo "Nuno" Nunes Jr.
CGGAM/DPDS
FUNAI/MJ
Coordenação Geral de Gestão Ambiental
SRTVS 702/902 Ed. Lex - 2º andar, sala 243. Brasília-DF.
Tel (61) 3313.3693/ Fax (61) 3313.3914/ Cel (61) 8123.3291
E-mail: orivaldo.junior@funai.gov.br




E concluo apenas com uma consideração sonhadora: 77,6% do Brasil como unidade de conservação, terra indígena ou destinada a população remanescente de quilombos??
QUE BOM SE FOSSE!






Nenhum comentário:

Postar um comentário