terça-feira, 29 de junho de 2010

Paz de Cemitério no Xingu

Publico na íntegra um texto que dispensa comentários de minha parte. 
Na verdade, sinto apenas essa 'paz' ou silêncio de morte eminente 
sobre o Xingu que devia viver para sempre... 
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 Extraído da revista Valor On-line

 Rodolfo Salm 28/06/2010

 A eletricidade gerada nas
hidrelétricas não é "limpa" porque os lagos resultantes são fábricas contínuas de metano 
O economista e ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa, publicou na edição de 31/05 
um artigo com críticas ao setor elétrico brasileiro. Ele observou que os lucros anuais das
concessionárias elétricas, predominantemente estrangeiras, cresceram 230% durante o 
governo Lula e que o consumidor brasileiro "é sangrado pelo custo de energia elétrica e 
subsidia as exportações de alumínio, aço, celulose de fibra curta, ferro-silício e ferro-
manganês entre outros". Excelente. Ele poderia ter parado por aí em vez de entrar em 
detalhes sobre Belo Monte, que mostrou não conhecer. Um bom exemplo de sua falta 
de intimidade com o tema é a citação das denúncias que apontam riscos de perdas na
atividade pesqueira. Ele pergunta "se não haveria peixes" na represa resultante da 
barragem. Haveria, sim, evidentemente. Mas em quantidade e qualidade muito inferiores
e de uma comunidade totalmente distinta daquelas que vivem em rios de água corrente. 
Para começar, seriam dizimadas mais de uma centena de espécies de acaris (os "cascudos"
dos aquários), que precisam das águas correntes da Volta Grande do Xingu. A coleta e
venda desses peixes, inclusive para exportação, constituem uma das importantes atividades 
econômicas da região, que seriam extintas com a construção da barragem. O fim de apenas
uma das várias empresas que comercializam esses peixes eliminaria aproximadamente o
mesmo número de empregos diretos permanentes que seriam criados com Belo Monte. 
É importante reforçar essa informação principalmente quando somos acusados de ser 
contra os empregos e o consumo de bens e serviços civilizados. Além disso, também 
desapareceriam inúmeras espécies de peixes de grande porte, muito importantes e 
extremamente apreciadas para a alimentação humana - da família dos bagres, por exemplo. 

Para liquidar o assunto, eu convidaria o professor a jogar uns pedacinhos de pão na água. 
Primeiramente, na beira do lago da represa de Tucuruí (hidrelétrica construída no rio
Tocantins nos anos 1980); e depois aqui no Xingu preservado, na frente de Altamira, 
para ver onde pulariam os peixes e onde os pães afundariam intocados. Lessa cita a crítica
dos ambientalistas com relação aos prejuízos ao turismo e nos pergunta ainda se não 
haveria potencial turístico em um grande reservatório artificial. Para responder, basta 
visitar as regiões das grandes hidrelétricas e conferir em quais delas existem turistas de
toda parte e pousadas de luxo, como temos aqui na Volta Grande do Xingu, algumas
cobrando quase R$ 1 mil de diária de pessoas que querem conhecer este monumento 
fluvial que agora seria destruído por Belo Monte, com magnitude comparável aos 
Saltos de Sete Quedas, destruídos para a construção de Itaipu. Peixes magníficos já
eliminados ou bastante raros em outras regiões, como a pirarara, atraem hoje para esta 
região um seleto tipo de turismo que busca a pesca esportiva artesanal, de potencial de
agressão praticamente zero ao ambiente. Além do mais, não é possível que o professor 
considere tratar-se da mesma coisa banhar-se em águas correntes e na água parada de
um lago podre. Isso sem falar no enorme potencial inexplorado de um rio de águas azuis 
cristalinas, com cachoeiras, corredeiras, peixes em abundância e praias de areia branca. 

Quanto à acusação de que não avaliamos a emissão alternativa de CO2 em comparação
à termeletricidade, isso não é verdade. Temos insistido ao máximo na divulgação da ideia,
profundamente sustentada cientificamente, de que a eletricidade produzida nas
hidrelétricas não pode de forma alguma ser classificada como "limpa" porque, além de 
todos os desmatamentos direta e indiretamente a ela ligados, fonte de emissão de CO2, 
os lagos resultantes são uma fábrica contínua de metano, o que faz os grandes projetos 
de hidrelétricas serem tão poluentes quanto termelétricas de potência equivalente.  
Ele também afirma que a perda da biodiversidade na região não teria sido avaliada até
o momento. Trata-se de um grave equívoco. Todas as partes, até mesmo os proponentes 
do projeto e o seu Estudo de Impacto Ambiental admitem que haveria grande perda. 
Na verdade, a biodiversidade de nada menos que metade da Amazônia, o maior reservatório 
do planeta, está seriamente ameaçada pelos projetos das hidrelétricas do Xingu. Tudo isso 
para quê? Para alimentar, como bem observou o professor, os imensos e crescentes lucros
das concessionárias elétricas estrangeiras? Para que o brasileiro seja mais sangrado ainda ao
ter que subsidiar a construção de Belo Monte, que destruiria nossa floresta e envergonharia 
o país? Por que o caso de Belo Monte seria diferente e não subsidiaria "as exportações de 
alumínio, aço, celulose de fibra curta, ferro-silício, ferro-manganês", ainda mais
considerando-se a sanha energética de grandes mineradoras na Amazônia, que são na verdade 
um dos objetivos finais da energia que querem produzir ali?Finalmente, em outra passagem,
o professor Lessa escreveu que "para o ambientalista radical, a intervenção antrópica é sempre 
condenável; é contrário ao desenvolvimento social. Gosta do padrão neolítico e admira a paz
de cemitério". Mas não é "paz de cemitério" o que se vê hoje no Xingu e sim vida, em suas 
formas mais variadas e espetaculares. E culturas humanas das mais variadas, que têm o 
direito de existir. A paz de morte existiria, sim, nas margens dos lagos das barragens, decorados
com paliçadas das árvores mortas.  
 
 
Rodolfo Salm é PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, 
professor da Universidade Federal do Pará e faz parte do Painel de Especialistas 
para a Avaliação Independente dos Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte.




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